segunda-feira, março 20, 2006

dois teclados (parte 1 e 2)

Estou escrevendo em conjunto com Aline Böttcher um texto... ela escreve uma parte e eu escrevo a seguinte. Livre, sem compromisso nenhum em seguir uma linha única de pensamento. Isso vai acontecer normalmente (espero) durante o texto... A primeira parte ela escreveu, eu escrevi a segunda....

Parte 1

Ela entrou em casa com uma mão no rosto, como se pudesse (inutilmente, é verdade) fazer parar a enxurrada de tristeza que saía de seu coração em forma de lágrimas. Seus cabelos negros caídos em cima dos ombros dançavam como caracóis a cada soluço.
É verdade que ela tentou impedir. Aliás, fez tudo quanto pôde para parar o acontecimento.
Ao se ver naquela imagem mentirosa do espelho de sua sala, que estava com as luzes apagadas, todas, apenas com a luz da lua que insistia em entrar janela adentro juntamente com uma brisa suave e que ora brincava com os mesmos caracóis que lamentavam a perda, viu uma menininha medrosa, cujos olhos, grandes mas tão diminutos, buscavam infindamente o amparo de um outro olhar...mas que se fora...para sempre.
Não podia suportar a dor da perda... Era demais!
Tudo o que desejava era sumir, sumir sem sentir, sem sorrir, sem mentir, mas principalmente sentir.
Sentir é uma dor, uma coisa que atrita o que seja lá que for dentro de você.
E ela, ali, no chão, com o rosto afogado em seus braços e joelhos desejou... Desejou a morte.
Não que desejasse deixar de existir. Não! Apenas se sentia ainda pior por não haver absolutamente nada que pudesse fazer em relação à morte dele. Nada que fizesse o traria de volta para casa.
Lembrou-se daquele dia, no jardim da escola. Mãos dadas, entrelaçadas como uma. De volta à realidade da sala vazia e escura se viu com a mão ao ar, aberta, pairando... Como se esperando que ele saísse do quarto e enlaçasse sua mão na dele. Nada.
Silêncio. Frio.
Ah, aquela tarde... Com seus olhos fechados cheios de lágrimas a percorrer caminhos em seu rosto que os dedos dele haviam tocado com tanto cuidado, lembrou amarga daquela tarde.
O jardim estava simplesmente radiante. O dia, quente. O vestido roxo que mamãe havia lhe dado de presente, antes do casamento, esvoaçava alegre, despreocupado. Ele, olhando-a de longe, sentia o coração como se apertado... Sabia que não teria mais dias como esse. Tentou, por mais que pode, segurar o momento, assim, ali. Ela, sentada a espera dele. Ah, só por ele! Os cabelos presos o chamavam, para junto dela, para sempre. Mas sabia que não seria possível.
Com o laudo médico na mão e um buquê na outra se aproximou, por trás. Sentiu como se os segundos estagnassem no ar, dando lhe a sensação de estar ali por meio século, em pé, prestes a contar-lhe a notícia que iria arrebatar-lhe de seu grande amor... Decidiu por deixar que a folha, sim, esta folha que trazia notícias de destruição, voasse ao vento, levando embora a morte. Enganou-se...e soube disso.

Parte 2

Foi tudo muito rápido. Aquele laudo médico era a sentença de morte. Ninguém poderia lutar contra aquilo. A atitude dele, de deixar ao vento o papel que poderia acabar com seu casamento que ainda não começara demonstra o medo daquilo tudo... Por quê não contar à amada que ele teria pouco tempo de vida? Por medo. Medo de que ela mudasse com ele. Ele não queria isso, queria que ela fosse a mesma flor por quem ele se apaixonou...
Ali, naquela tarde, ele fez formalmente o pedido. Todos sabiam que mais dia menos dia, isso iria acontecer. Os dois já se amavam. Tinham essa confirmação recíproca nos olhares. Um bem-querer, um amor tão infantil, tão despreocupado em pedir, mas sim em oferecer... Parecia que tudo se encaminhava para uma bela vida de casal.
Havia um médico. Um médico que pôs data naquele "até que a morte os separe" pronunciado pelo pastor na cerimônia. O médico o matou ali no consultório, naquela manhã de abril, mas depois de ferí-lo mortalmente com o diagnóstico, deu o start na contagem regressiva. Seis meses. Ele saiu perplexo do consultório. Perplexo e revoltado. Preferia não saber que morreria em menos de um ano. Gostaria de viver até morrer... O médico, no entanto, o matou ali mesmo, e deixou um defunto andando pelo mundo mais seis meses...
O menino pensou muito, pensou em não pedir a amada em casamento. Pensou em abandoná-la... Sumir do mapa, morrer sozinho num canto do planeta. O amor, porém, foi mais forte. Ela percebeu algo diferente no olhar dele, e quando ele disse que aqueles dismaios que ele estava tendo ultimamente não "eram nada". Que o médico tinha receitado uma boa dose de repouso. Não era mentira, o doutor receitou muito repouso, para que esses dismaios, que seriam cada vez mais freqüentes, não acontecessem em um local onde ele poderia não ter como receber socorro. Médico insensível! Limitou a vida dele em seis meses e ainda o orientou a ficar o maior tempo possível preso dentro de casa!

3 comentários:

Daniela Rey Silva disse...

Tá ficando muito bonito. Sigam em frente... Bjs

Alexandre Oliveira disse...

Tô gostando... bora escrever, vocês dois!

Aureo disse...

Também gostei bastante! Tem mais, né não?